Câmara aprova emenda que proíbe presos provisórios de votar, em meio a polêmica sobre Bolsonaro

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21 nov
Câmara aprova emenda que proíbe presos provisórios de votar, em meio a polêmica sobre Bolsonaro

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2024, uma emenda ao Projeto de Lei Antifacção que revoga o direito de voto de presos provisórios — uma mudança radical que põe em xeque um dos pilares da Constituição Federal de 1988. A proposta, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Partido Novo-RS), foi aprovada por 349 votos a favor, 40 contrários e uma abstenção, em uma sessão tensa em Brasília. O que parecia uma medida técnica sobre logística eleitoral virou um embate ideológico, com acusações de que o objetivo real era impedir que o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e a deputada Carla Zambelli — ambos detidos preventivamente — participassem das próximas eleições. A emenda altera dois artigos do Código Eleitoral Brasileiro, estabelecendo que "os presos não podem ser eleitores", independentemente de terem ou não condenação definitiva. A medida, se virar lei, cancelará automaticamente o título de eleitor de qualquer pessoa sob prisão provisória.

Um princípio constitucional em risco

Até agora, a Constituição brasileira garantia o voto a presos provisórios com base no princípio da presunção de inocência. Isso significa que, mesmo detido, o cidadão não é considerado culpado até que todas as instâncias judiciais se esgotem. Nas eleições municipais de 2024, mais de 6.000 presos provisórios votaram, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE, sediado em Brasília, é o órgão responsável por organizar e fiscalizar todas as eleições no país — incluindo a instalação de seções eleitorais em unidades prisionais. Essa prática, embora custosa, era vista como um ato de democracia. Agora, essa prática pode ser extinta. Van Hattem argumentou que "o voto pressupõe liberdade e autonomia de vontade", e que a custódia impede isso. "Não é punição antecipada. É reconhecimento de uma realidade", disse ele durante o debate. Mas críticos apontam: se a prisão provisória não é condenação, por que tirar o direito político?

Apoio transversal — e uma contradição em nome do PT

A emenda surpreendeu por reunir apoio de políticos de lados opostos. Além de membros do Partido Novo, como Adriana Ventura (SP), também votaram a favor parlamentares da oposição como Kim Kataguiri (União Brasil) e Marco Feliciano (PL). Mas o mais chocante foi o voto favorável de líderes do Partido dos Trabalhadores — Arlindo Chinaglia (SP), Benedita da Silva (RJ), Alencar Santana (SP) e, especialmente, Lindbergh Farias (RJ), líder do PT na Câmara. Farias, que já defendeu direitos humanos em outros contextos, declarou publicamente: "Vamos votar 'sim' sabendo que é inconstitucional". A frase ecoou como um grito de desespero. O próprio Farias, antes da votação, ironizou: "Parece que o Partido Novo já abandonou Bolsonaro. Agora quer tirar o voto dele. Hoje acontece o seguinte: quem tem trânsito em julgado não vota. Agora, já estão querendo antecipar para a prisão provisória a fim de impedir o voto de Bolsonaro". A alusão era clara: Bolsonaro está preso preventivamente desde abril de 2024, sob investigação por suposto golpe de Estado. Zambelli, sua aliada, também está detida. A emenda, portanto, não é apenas sobre prisões — é sobre quem pode ou não participar da próxima eleição.

Os custos e os riscos da Justiça Eleitoral

Os custos e os riscos da Justiça Eleitoral

Van Hattem também citou como justificativa os custos e riscos operacionais. Manter seções eleitorais em presídios exige segurança, transporte, pessoal e logística. Em 2024, o TSE gastou cerca de R$ 12 milhões para organizar o voto em 1.200 unidades prisionais. Mas isso não é um desperdício — é um investimento na integridade do processo democrático. O TSE já afirmou em pareceres que a suspensão do voto de presos provisórios violaria a Constituição. E o Tribunal não é um órgão político: é técnico, independente e com mandato constitucional. Ainda assim, o argumento de custo foi usado para justificar uma mudança profunda. O que não foi dito: em países como Alemanha e Canadá, presos provisórios votam — e não há caos. O que há é respeito à lei.

O que vem a seguir: o Senado e a batalha constitucional

Agora, o substitutivo do relator Guilherme Derrite (Progressistas-SP), que incorporou a emenda de Van Hattem, segue para o Senado Federal. Lá, a votação será ainda mais difícil. O Senado tem maioria conservadora, mas também tem juristas e defensores dos direitos civis. Se aprovado, a medida será encaminhada à sanção presidencial — mas não termina aí. A própria Constituição garante que qualquer lei que viole seus princípios pode ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) já está sendo preparada por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto Brasileiro de Direitos Humanos. A luta não é só no Congresso. É na Justiça.

Por que isso importa para todos nós

Por que isso importa para todos nós

Esta emenda não é apenas sobre presos. É sobre quem decide o que é democracia. Se podemos tirar o voto de alguém por estar preso — mesmo sem condenação —, onde paramos? Um estudante acusado de manifestação? Um jornalista investigado? Um sindicalista? O princípio da presunção de inocência é a última barreira contra o autoritarismo. E ele está sendo desmontado com o argumento de que "é só um detalhe técnico". Mas não é. É a essência da liberdade. Afinal, se o Estado pode decidir quem vota antes de julgar, então não estamos vivendo em uma democracia. Estamos vivendo em um regime de exceção.

Frequently Asked Questions

Como a emenda afeta os presos provisórios que já têm título de eleitor?

Se a emenda se tornar lei, o título de eleitor de qualquer preso provisório será cancelado automaticamente pelo TSE, sem necessidade de processo judicial. O cidadão perderá o direito de votar mesmo que ainda não tenha sido condenado. A única forma de recuperar o voto será após a liberdade, com a reativação do título — o que exige novo cadastro e comprovação de residência.

Essa medida é constitucional?

Não, segundo a maioria dos juristas. A Constituição de 1988, em seu artigo 14, § 1º, inciso III, só suspende o voto para quem foi condenado com sentença transitada em julgado. A emenda tenta criar uma nova regra que contradiz esse princípio. O STF já decidiu em outras ocasiões que a prisão provisória não pode ser usada como punição antecipada — e o voto é um direito político, não uma benesse.

Quem ganha com essa mudança?

O principal beneficiário indireto é o ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura às próximas eleições está em risco. Com cerca de 6.000 presos provisórios impedidos de votar — e muitos deles em regiões onde Bolsonaro tem forte apoio —, a emenda pode reduzir significativamente sua base eleitoral. Mas também fortalece o discurso de que "a justiça está a serviço da política" — o que pode mobilizar eleitores contrários ao governo atual.

Por que o PT votou a favor, se é inconstitucional?

Muitos petistas, como Lindbergh Farias, votaram a favor por razões estratégicas: evitar uma derrota maior no Senado ou por pressão interna. Alguns acreditam que, ao aceitar a emenda, conseguem negociar outras garantias. Mas a decisão gerou crise no partido. Líderes como Eduardo Suplicy e Jean Wyllys criticaram publicamente, dizendo que o PT está cedendo ao autoritarismo em nome da realpolitik.

O que acontece se o Senado aprovar, mas o STF derrubar?

A lei seria anulada, e o direito de voto dos presos provisórios voltaria automaticamente, conforme a Constituição. O STF já anulou leis similares no passado, como a que proibia o voto de analfabetos. O tribunal tem histórico de proteger direitos fundamentais mesmo quando a política tenta ignorá-los. Mas o processo pode levar anos — e até lá, os presos provisórios ficariam sem voto.

Há precedentes internacionais para essa medida?

Na maioria das democracias, sim — mas apenas após condenação definitiva. Nos EUA, alguns estados bloqueiam o voto de presos, mas não de presos provisórios. Na Alemanha, Canadá e Áustria, todos os detidos, mesmo sem condenação, votam. O Brasil sempre foi referência na América Latina por proteger esse direito. Agora, está prestes a se alinhar com países onde a justiça é usada como instrumento político.