O ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) decretou na quarta-feira, 3 de dezembro de 2025, a prisão preventiva do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado estadual Rodrigo da Silva Bacellar, do União Brasil. A decisão veio após fortes indícios de que ele havia vazado informações sigilosas sobre a Operação Zargun, permitindo que o deputado Tiego Raimundo dos Santos Silva, conhecido como TH Joias, fugisse da prisão — e só foi capturado horas depois, já em estado de alerta. O caso expôs uma rede de corrupção que conecta políticos fluminenses a facções criminosas, num cenário que Moraes chamou de "um verdadeiro estado paralelo".
Um aviso que mudou o rumo de uma operação
A história começa em 2 de setembro de 2025. Naquele dia, Bacellar, então presidente da Alerj, teria recebido dados confidenciais da Operação Zargun — uma ação coordenada pela Polícia Federal (PF) para prender integrantes do Comando Vermelho no Rio. Entre os alvos estava TH Joias, acusado de ser um dos principais facilitadores do crime organizado: lavava dinheiro, comprava armas e ainda intermediava equipamentos tecnológicos para bloquear rastreamentos policiais. O que torna o caso ainda mais grave é que o celular de TH Joias tinha Bacellar como "contato de emergência número 1" — o único número salvo no aparelho, recém-adquirido para evitar vigilância. Foi como se o deputado tivesse dado um sinal de alerta direto ao chefe da Tropa do Urso, grupo treinado por ex-militares e especializado em táticas de guerrilha.Operação Unha e Carne: o fim da impunidade
Três meses depois, em 3 de dezembro de 2025, a PF deflagrou a Operação Unha e Carne. Foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão, um de prisão preventiva e um de intimação, todos expedidos pelo STF em Brasília. A operação não visava apenas prender Bacellar — mas desmontar o sistema de vazamento de informações dentro da política fluminense. "Os fatos narrados pela PF são gravíssimos", afirmou Moraes. "Há patente necessidade da prisão para resguardar a ordem pública e a aplicação da lei." O ministro também autorizou a apreensão de armas, munições, passaportes, celulares e documentos em gabinetes da Alerj, na sede do Legislativo estadual, localizada no Centro do Rio de Janeiro.Constituição exige voto da Casa — e a pressão está alta
Como Bacellar é deputado, a Constituição Federal exige que a Alerj vote sobre a manutenção da prisão. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa se reuniu em sessão extraordinária na sexta-feira, 5 de dezembro de 2025, às 15h, convocada pelo presidente em exercício, Guilherme Delaroli (PL). A votação foi marcada por tensão. A Procuradoria da Alerj analisou o documento encaminhado pela PF, já que o STF não enviou a íntegra do processo Pet 14.969 — um detalhe que gerou questionamentos jurídicos. Mas a Procuradoria autorizou o andamento do procedimento com base no que foi apresentado.A regra é clara: para manter a prisão, são necessários pelo menos 36 votos dos 70 deputados. Bacellar, é claro, não vota. Mas o que torna o cenário ainda mais delicado é que ele foi reeleito por unanimidade para a presidência da Alerj — um sinal claro de que sua influência não é isolada. "É um caso raro, mas não único", disse um jurista que pediu anonimato. "Já vimos parlamentares envolvidos com milícias. Mas nunca alguém que alertou diretamente um chefe de facção sobre uma operação do STF. Isso é um golpe na integridade do Estado."
Um estado paralelo que opera na sombra
Segundo o secretário da Polícia Militar do Rio, Marcelo Menezes, TH Joias era mais do que um traficante: era um "ponte entre o crime e o poder político". Ligado a Doca, líder do Comando Vermelho, ele coordenava a Tropa do Urso — uma unidade de elite formada por ex-integrantes das Forças Armadas e da polícia, treinados para combater operações policiais como se fossem batalhas de guerra. "Eles sabem onde os policiais vão chegar, quando vão chegar e como vão chegar. Porque alguém dentro do sistema os avisa", disse Menezes. A Operação Zargun, originalmente planejada para desmantelar redes de armas e lavagem, foi comprometida antes mesmo de começar — e agora, com a prisão de Bacellar, o STF quer saber: quem mais sabe? Quem mais participa? E quem ainda está protegendo os criminosos?O que vem a seguir
O plenário da Alerj deve votar a manutenção da prisão na segunda-feira, 8 de dezembro de 2025. A expectativa é que a votação seja acirrada. Deputados do União Brasil, partido de Bacellar, já se manifestaram contra a prisão, alegando "violação de direitos". Mas outros, como o líder do PSOL, Marcelo Freixo, pedem transparência: "Se o STF tem provas, o Legislativo não pode se transformar em um escudo para a corrupção."Enquanto isso, a PF continua investigando. Celulares apreendidos, e-mails cifrados e contas bancárias suspeitas estão sendo analisados. A promessa do STF é clara: não haverá impunidade. E se Bacellar for afastado, o que vem depois? Será que a Alerj vai se limpar? Ou será apenas o primeiro nome de uma longa lista?
Contexto histórico: quando a política vira crime
Esse não é o primeiro caso de parlamentar envolvido com facções no Rio. Em 2020, o ex-deputado estadual Marcelo Freitas foi preso por financiar milícias. Em 2022, o então presidente da Alerj, André Ceciliano, foi alvo de investigação por suposto favorecimento a traficantes em obras públicas — mas acabou absolvido por falta de provas. O que diferencia o caso de Bacellar é a gravidade do vazamento: ele não apenas beneficiou um criminoso, mas sabotou uma operação de alto nível autorizada pelo STF, no âmbito da ADPF 635 das Favelas, que visa combater a violência sistêmica nas comunidades do estado.Essa operação, iniciada em 2022, já resultou em mais de 300 prisões e apreensão de mais de R$ 120 milhões em ativos. Mas, segundo o próprio Moraes, "a cada três operações bem-sucedidas, uma é sabotada por alguém dentro do sistema". Agora, com Bacellar preso, a pergunta que fica é: quantos outros estão na mesma situação?
Frequently Asked Questions
Por que a prisão de um deputado precisa da aprovação da Alerj?
A Constituição Federal de 1988 garante imunidade parlamentar, exigindo que qualquer prisão de deputado estadual seja validada pelo próprio Legislativo. Isso vale mesmo em casos de crimes inafiançáveis. A Alerj precisa votar por maioria simples (36 dos 70 deputados) para manter a prisão. Caso não seja aprovada, o deputado deve ser solto imediatamente, mesmo que o STF mantenha a decisão.
O que é a ADPF 635 das Favelas e por que ela é importante?
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, julgada pelo STF em 2022, reconheceu que a violência nas favelas do Rio é resultado de falhas estruturais do Estado. A decisão delegou à Polícia Federal o poder de investigar conexões entre facções criminosas e agentes públicos. É a primeira vez que o Supremo autoriza uma operação de combate ao crime organizado com foco em corrupção política — e Bacellar é o primeiro parlamentar preso sob essa nova autoridade.
Como Bacellar conseguiu acessar informações sigilosas da Operação Zargun?
A PF suspeita que ele tenha recebido os dados por meio de um contato dentro da própria PF ou da Polícia Civil, possivelmente alguém com acesso ao sistema de inteligência da operação. O ministro Moraes mencionou "vazamentos sistemáticos" em sua decisão, sugerindo que Bacellar não agiu sozinho. Investigações em andamento buscam identificar os outros possíveis envolvidos, incluindo servidores públicos e assessores.
Quais são as consequências legais para Bacellar se for condenado?
Se condenado por obstrução de investigação e violação de sigilo funcional, Bacellar pode pegar de 4 a 12 anos de prisão. Além disso, perderá o mandato de deputado, ficará inelegível por oito anos e poderá ser processado por associação criminosa. O STF também pode pedir a cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar, mesmo antes da condenação final.
A prisão de Bacellar pode mudar o equilíbrio de poder na Alerj?
Sim. Bacellar era o líder da bancada do União Brasil e tinha forte influência sobre recursos do orçamento estadual. Sua prisão pode desencadear uma corrida por sua sucessão, com alianças se reorganizando. Se o plenário rejeitar a prisão, o poder político será reforçado para os aliados do crime organizado. Se for mantida, pode abrir espaço para uma reforma mais profunda — e talvez até para a nomeação de um presidente da Casa sem ligação com facções.